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Mostrando postagens de julho, 2009

Rotunda Roda Rotineira

É como andar por toda uma multidão, em uma grande avenida movimentada de uma cidade movimentada. Você se dilui em plena insignificância de ser mais um qualquer, mais um ninguém. Mas há uma pseudo ordem, uma organização social que faz de uns aqueles que vêm e de outros aqueles que vão. Parece uma balança que se equilibra numa dança perfeita, e ainda há aqueles que enxergam a fragilidade desse caminhar como a ingênua face da ilusão. É como uma barca à navegar sem rumo. Um capitão diz que vamos para Zulia. Alguns pensam que lá é o paraíso, outros são céticos e ninguém se percebe, pois lêem os livros dos dias e contam as horas para os parentes presentes e mortos... Um capitão esquizofrênico a brincar de Moisés, cria seus filhos na entorpecida ilusão de humanidade pós-moderna, pós-utópica, pós qualquer outra coisa. E você ainda se preocupa, afinal sente-se importante para aquela meia dúzia de coisas anódinas. Você se move conforme o vento que te quer carregar. Mas suas folhas são feitas de

O Diário de Teegoh – Semana 18

Se quiser destruir um sistema, comece por destruir os símbolos que o carrega. Os porcos dançam lá fora, bebem a tristeza do vinho para desviar a atenção do corpo do insuportável cheiro de podridão. Contudo não posso reclamar de estar cercado por ignorantes, não foi preciso mais do que um pouco de proximidade e meia dúzia de palavras fáceis para conseguir acesso aos arquivos secretos. Aqui eu não sou Teegoh. Mudei meu nome antes de começar a minha busca por motivos óbvios. Ao mesmo tempo em que um nome pode ser um símbolo e desvincular-se do seu pode significar perda de sua essência para mim aconteceu o contrário. Encontro-me comigo mesmo no silêncio das palavras, como se tomasse férias do mundo enquanto ele não é digno de minha presença. Até eu retornar, se é que isso um dia acontecerá, sou apenas um soldado que faz o possível para não sucumbir à loucura. Hoje me entrego à esperança outra vez! Pierre não esteve aqui e essa foi a melhor falta de notícias que tive, pois sei que ele não e

Desejos e medos de um ser noturno

Acalme-se o dia já vai nascer. Não é mais necessário temer o crepúsculo, pois amanhã não haverá mais passado. Tuas histórias foram bem guardadas na gaveta mais escura de tua mente e agora pode deliciar-se com as orgias mundanas. A noite, sorridente como a lua em seus quartos de vidas, é criança calma agora. Não há mais fantasmas, corrimãos, estátuas ou peça de decoração remendada. Não há mais pessoas, responsabilidades, expectativas alheias. Você está só e a noite é rósea em seu intimo ventre. Dança com ela a boemia de uma vida conquistada. Torna-se homem viril nas peripécias fáceis, mesmo sabendo que a ressaca lhe trará a dor de ser sempre sozinho. Doce vício de perfume impar que, como o canto da sereia, inebria a alma com calores imprudentes de uma vida sem regras. Vida consumida pela comodidade estancada em conveniências Essa multidão de corpos e semi-deuses ostentam suas verdades e tatuagens enquanto você passeia totalmente nu pela escuridão, na esperança de sentir-se tocado pelos

O Diário de Teegoh – Semana 17

Cumprindo as funções burocráticas desse recinto de danação só sinto a morte através do cheiro de sangue pobre vindo através dos ventos secos ou impregnado nas fardas de soldados que, por ventura, vêem até mim com uma ignorância infra-humana. Mas, mais sujos que os sapatos dos imbecis são os papéis que tenho que lidar. O comandante desse alojamento mal sabe ler, o que não me surpreender, afinal esse trabalho é para qualquer besta insana, não para um homem. Mesmo assim, quase nada tenho acesso. Geralmente pedem para traduzir algum folheto do inglês ou francês, pois pensam que são mensagens escondidas do grupo revolucionário. São armas para porcos sedentos por sangue. Porcos que fazem dos seus dias, composições de harmoniosas regências para uma sociedade caótica. Excrementos da sociedade brincando de dançar com debutantes em salões de corpos dos idealistas, que também são tão radicais quanto. Enfim, T.

Das crenças e contradições

Já sei que não retornas mais. Fui abandonado para sempre, e mesmo assim supliquei a ti. Rezei todas as orações, mas você não me ouviu. Ninguém conseguiu levar minha mensagem, enquanto você assistia placidamente minha tristeza. Admirava sua própria superioridade plácida, cultivando teu insólito silêncio, calcado de apatia... Você não veio enxugar minhas lágrimas pelo simples gosto de se sentir superior aos meus sentimentos banais. Já sei que minha calúnia não se resume à dúvida ou incertezas... Meu acreditar briga com minha racionalidade, que, por sua vez nem sabe mais o que são sentimentos. Mas minhas lágrimas se findaram e você continuou a observar-me nu, entronado entre as nuvens do outono, sem se importar com minhas fragilidades mundanas. Já sei que pra ti sou o nefando verme que impediu adão de provar plenamente o sabor do fruto. Mas agora não vou mais para o inferno, pois suas asas queimaram-se ao perceber minha indiferença. Sua beleza foi maculada ao tocar o barro dessa terra...

O Diário de Teegoh – Semana 16

Há tempos não me deparo com o prazer de um gesto. Não há nada que me mostre um belo ato. Não há mais histórias, passado ou futuro. Se há amor, não sei mais onde encontrar. Estou aqui por conta de uma loucura... Vivo entre dementes seres que se julgam heróis de verdade. Suas roupas são verdes acinzentados, para esconder o tanto de sangue que já derramaram em nome de qualquer coisa. As salas da penumbra enchem-se e esvaziam-se em uma velocidade incrível. Poucos saem com vida da sala 13, e aqueles que saem não retornam tão cedo para os alojamentos pois passam dias, as vezes, semanas em algo que chamam de enfermaria (mas um matadouro deve ser mais limpo do que aquilo). Às vezes tenho vontade de escrever tudo o que vejo, mas não é possível descrever o fedor de carne humana sendo queimada depois de apodrecida. Uma vez escalado para esse alojamento, homens chamados de soldados tornam-se arautos da morte, mas eu tento me manter lúcido para tentar encontrar nas palavras o sustento que me mantém

A inversa coincidência das cores

(ou a brincadeira do acaso) Sou a busca no teu silêncio das respostas que não chegam Sou as contas do bêbado que perdeu o caminho de casa Sou a contraditória inquietação de final de domingo Sou a besta atemorizante de mim mesmo todos os dias Sou o contrário das tuas cores Sou a outra parte na balança. Aquele que não te equilibra, que te desconcerta, Aquele que te leva à inquietação, à desordem, Aquele que te mostra a ousadia de um sim Aquele que brinca de inconstâncias Sou o contrário das tuas cores Sou a outra parte na balança. Sou o avesso de ti em palavras retas ou tortas Sou o outro lado de um círculo perfeito Sou o Tigre e você é o avesso ou Sou o Dragão e você: o oposto Sou o contrário das tuas cores Sou a outra parte na balança. Aquele que sou, é afeto azul. Aquilo que é, é inquietação vermelha. Somos o que quisermos ser. O que somos?

O Diário de Teegoh – Semana 15

Nessas celas, que dizem ser alojamentos (mas que são celas de condenados à loucura de poucos) estou entre tantos outros. O cheiro de sangue seco se mistura ao da terra maltratada pelos pés rápidos de soldados e presos. Sei que, na perspectiva de alguns, já aprontei muitas maledicências, mas o que eu vivencio aqui não é digno de memória. Aqui vivem a contar o desconhecido. Eles, os prisioneiros, não sabem se dia ou noite é. Quando voltam a ver a luz do sol pensam ter encontrado o paraíso, mas isso até perceberem que estão indo para a sala 13. Tão agourado é este número desde a época das bruxas ou mais para além. Talvez seja ironia do acaso, mas quem entra na sala 13 pode sair de lá em livre espírito, deixando por vez de vivenciar o que temo ainda ser apenas o começo de tamanha bizarrice. Mas nem todos têm a mesma sorte. Formando um rastro de sangue e sofrimento, saem os que respiram num fio de vida, carregados entre os braços de homens e marcas. Irreconhecíveis. Sozinhos. Enfim, T.