O lamento de Borrões

Posso até ser um dia aquilo que sempre diz não ser, pois hoje vejo e enxergo quase tudo, mas enxergo aquilo que não quis ver. Sou canto, sou graça, sou voz e sou poesia! Sou boniquinho de luxo, e de todos um dia serei o encanto dos minutos.

Eu danço para lá e para cá... Trago para perto o que quero, mas não consigo afastar o que quero.
Eu danço para lá e para cá... Danço como ele, danço como ela. Danço com ele, danço com ela. Dando com eles e com elas... Apenas danço, pois no final da festa não mais dançarei, todos estarão cansados! Todos eles estarão cansados! Menos eu!

Pois sou canto, sou graça, sou voz e sou poesia! Eu sou eu e eu sou de ninguém! Outro dia, me encantaram com a beleza que antes não conhecia... Disseram-me que tudo o que eu queria estaria por trás daquela quimera. Posto que a inocência toca as entranhas deste varão que voz fala, a lábia daquele que me dissera o que eu quis ouvir soou como a armadilha do perfume de medula, mas era na carne d’uma raposa que se materializavam as palavras do encanto

Fui atrás do ouro dos duendes, mas o arco íris só tinha duas cores... só tinha duas cores... onde foram as outras parar? Estão no céu do meu castelo? Estão no jardim encantado? Estão na lagoa das sereias? Ou estão no mundo real? Não saberia eu responder, afinal quem sou eu?

Eu sou canto, sou graça, sou e sou poesia de ninguém! Eu sou de ninguém... não sou de você nem sou de mim mesmo, eu sou de ninguém! Eu sou um bonequinho de luxo no mundo destes daqui e no mundo daqueles de lá.

Contudo, é o pranto, o lamento profundo das profundezas mais profundas... Destruíram tudo, destruíram os sonhos e sou aquilo que não sou e sou de ninguém, eu sou o que sobrou.

Sou a peste, sou o encanto, sou o grito, sou a obediência! Sou escárnio! Sou... sou... sou...

Sou definhação, sou escória de mundo! Sou vazio... sou palavras soltas de quem de nada entende....

Sou o fundo, sou ausência, sou definição, sou delimitação...

Sou o beijo gelado, sou o nu que sonhara... sou o delírio e o sexo... sou o vazio... sou o dote... sou demasiadamente muito mais do que sou e muito menos do que pensas que sou.

Desarmo e morro no canto das fezes, porque um dia quis ser algo e disse ser algo...

Comentários

andré maia disse…
O lamento assemelha-se a desencanto e eu não reconheço em mim capacidade para preencher esse vazio!... Limito-me a coleccionar essas palavras soltas.

...Ou, então, repetir aquilo que já sabes: "...quando já nada houver em ti que seja humano, alegra-te meu filho - então serás um homem!"

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