A metamorfose ou O triste fim de um trapo

Acordei num canto escuro. Sentia meu corpo junto ao chão gelado. Já não era mais de carne. Não tinha sangue correndo em mim. Contudo, sentia cada expecto se formar ao sentir os tantos e variados odores de você. Ao mesmo tempo em que via as estrelinhas de poeira dançar naquele espaço, e tentava me enganar que aquilo tudo teria sido feito pensado em mim.

Aos poucos, o quarto fez-se campo e assim um jardim imenso se formou, apenas pela minha força de vontade. Plantei e esperei pacientemente para colher minhas expectativas, cuidadas de maneira fraternal. Mas elas não brotaram. Os teus passos eram pesados demais e aniquilaram qualquer possibilidade de um novo ciclo.

A essa altura, minha cor se desbotou. Não passava de um pedaço de pano sujo, daqueles que mal servem para limpar as indesejáveis fezes de um cachorro sarnento. Não podia ir contra a metamorfose de ser um não ser, contudo, perceber o meu deteriorar cada vez mais rápido ao limpar seus pés e suas bagunças egoístas não foi algo agradável.

Mas quando acontecia alguma tragédia, eu era requisitado, como um herói! E prontamente limpava, limpava e limpava! Feliz eu estava! Pois sabia, que seria lavado em seguida. E, quem sabe, te vestiria o peito novamente. Mas não. De lá, fui para o breu do esquecimento. Enquanto você buscava as distrações básicas para alimentar o prazer de se “vitimizar”.

Era tão real tudo aquilo o abraço de se convencer que não podia fazer que certa vez me pegou nas tuas mãos, olhou os restos da estampa e se lembrou que houve uma época onde você me usava de outra forma. E assim fui parar no lixo, enquanto você se distraia com qualquer outra coisa.  Me deliciei pela última vez dos restos do teu jantar. E, enfim, me esqueci esqueci todas as coisas que você descartou.

Jan Saudek


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