A virtude da compaixão

Se entregar é uma atitude de desapego. Desapegar-se de nossos orgulhos. Deixar ser humilhado, ser tocado pela desonestidade, naquele canto do teu mais íntimo que reservou para ser chamado de nosso. Desapegar não acontece de forma equivocada. É algo que mais acontecendo quando o seu cotidiano é emanado por energias novas. Energias que me trouxeram mais cor.

Ao mesmo tempo, você construiu teu cômodo com tijolos do companheirismo, mas os entrelaçou dúzias de difamações. Como se olhasse para esse lugar chamado de “nós” um espelho de ódio a mim, que creio nunca entender os motivos.

Se entregar é uma atitude de desapego. Desapegar-se de nossas verdades. Pois, não importa o que se faça. Existe uma teimosia na verdade! E ela faz de tudo para aparecer. Ela é como uma criança birrenta que você tenta dissuadi-la que o mundo não gira ao seu redor, mas ela só consegue entender o que lhe agrada, e quando ameaçada, nos empurra para bem longe de qualquer paz de espírito.

Quando a verdade chega à sua porta não existe outra saída senão recebe-la. Ela não costuma chegar de forma tão calma, apesar de ir se desabrochando em doses vertiginosamente doloridas para este anfitrião que acreditava ser uma outra coisa a verdade (a de feição dócil e palavras de saudades).

Se entregar é uma atitude de desapego. Desapegar-se de nossos confortos. É como uma festa que saiu dos trilhos, que entre os soturnos encontros ou as construções de amores paralelos, não deixa que o dia seguinte seja apenas lembranças de um livro de final amargo. O gosto das ações está na sua boca, que impregna seu corpo e define quem você é.

E então percebe que não se trata de uma história que foi lida, mas sim de palavras reais sobre como você é retratado para os outros! Que enquanto você estava em casa, construindo vida a partir de um terreno que parecia ter se aberto a mim, descobre que as sementes plantadas foram insistentemente pisoteadas não por arruaceiros alheios as felicidades liquidas que trazemos no nosso peito, mas por aquele que te propôs o “nós”.

Se entregar é uma atitude de desapego. Desapegar-se de nossas ilusões. Não importa o quanto tenha se esforçado para ser alicerce da honestidade. Não existe castelo algum que seria capaz de me proteger quando me abro para a possibilidade de você. Neste ponto, é que se percebe que não existe segurança, mas devia existir caráter; que não importa o passado, mas devia importar o presente; que não cabe limites, mas devia caber bom senso.

Hoje sou o que se podia esperar de disso tudo. Sou o resto de quase nada. Aquilo que não tem mais em que se segurar a não ser no amor próprio. E se, se entregar é uma atitude de desapego, dessa vez eu vou me desapegar de tudo o que tinha de convicto para apostar neste terreno espezinhado. Pode ser que o amanhã eu perceba que as sementes não germinaram, ou que a verdade veio me visitar, ou uma festa de escolhas erradas aconteça na minha casa. Não importa. O que eu tenho é o hoje, sou todas as dores que nunca imaginei sentir, mas, acima de tudo, sou compaixão.

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