Fotos não minhas
Tão persuasivo e doce é o cheiro de certa juventude inventada que me embebedo entre as fotografias que nunca foram eu. Escolho as que mais se encaixam em cada um dos meus desejos, das vontades e recalques; para então transformar-me num amalgama do avesso.
Olho-me e não reconheço as marcas da realidade que pungem o meu coração, assim como o compasso dos batimentos sonorizam o caos da vida. Pois é assim que concluo que a transformação é um ato falho dado aos seres humanos como uma dádiva: que mais é como o ópio para os desesperados por prazer.
Sou um pouco de cada coisa, e não negligencio isso. Mas sempre me figuro na ilusão de ser muito mais daquilo que não sou.
É o espelho a refletir as partes que não me cabem. Excluo tudo o que não me agrada e é com esses restos que moldo a barreira dentro de mim, para assim absorver suavemente todas as fúteis vontades pré-moldadas pelos tambores do contemporâneo. Busco então aliviar a tensão das engrenagens dessa maquina alimentando-a com um pouco de cada imbecil gesto do possível.
Mas calha a noite. E é na ausência de sentidos que a escuridão total encobre minhas vergonhas com o patético movimento de carinho. E as casas baixas pulsam não apenas pela juventude, mas por uma virilidade que cumpri a tarefa de valorar os culhões me dado um dia.
Não sou mais a possibilidade de tudo. Sou a soma dos caminhos percorridos. As consequências de responsabilidades impostas. Sou a metade do anjo enquanto os outros quartos todos são demônios meus e teus.
A metade que guarda a essência pueril (e patética) acreditou no possível amor entre as linhas do atlântico por muito tempo. Até descobrir que os contornos do rosto que eu vejo são de todos, menos os teu. A verdade, que já não era sólida, tornou-se insustentável, frouxa e decadente. O que era a minha maior história de todos os tempos tornou-se tão esplêndida e melancólica que se cristalizou nos gozos de uma vontade nunca realizada.
Desse modo, vou para o avesso, me transformo em você e figuro apenas mais um pouco de tempo perdido.
Comentários