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Eu espero que volte

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Quando eu morri, não percebi a ausência chegar. Vagarosamente, as cores deixaram de brilhar, E as nuances já não existiam mais. Deixei de ser corpo, gesto ou caminhar. Os passos, que antes eram coreografados ao gosto da minha vontade, mesmo no caos do existir, Estavam inertes entre as cadências dos dias. Quando eu morri, as horas continuaram as mesmas Mas os gritos não me atormentavam mais. Era o sossego do dia frio daquele feriado de terça. O silêncio era meu parceiro de uma vida eterna A ausência se instaurou e travou embate com o vazio. Quando eu morri a solitude se fez teto, O orvalho e a neblina da noite não me faziam sentir Deitado, nu, vi meu corpo inchar a ponto de supurar. Mas não percebia o corpo sendo meu. Não me via em mim mesmo. Éramos um estranho dentro de outro estranho. Quando morri, apenas me assistia passivamente A morte me trouxe a vontade, mas não me ensinou a viver Morri na ansiedade de esperar. Deprimido por estar.

O lugar em que te encontro

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Anton Kolig.1886-1950. Sitting Young Man.1919. É atrapalhado os sentidos sobre esse bem querer que cultivo por ti. Porém, de todas as faces que ele já tomou, a que mais me encanta é a da cumplicidade. Tem vezes, devo confessar, que a consciência se torna turva, por conta dos gestos dos desejos. Não vejo motivo para negá-los. Mas no deserto de sentido que se faz o mundo hoje, tenho pressa de espantar essa solidão encrostada sob minha pele que me faz desacreditar na possibilidade de criar vínculos.  Não dou créditos aos acasos, tampouco ao destino. Esses dois pesos não medem os meus dias. Assim como não denominam os vazios de mim mesmo. Nos encontramos nas tortas estradas virtuais, onde os meus anseios e expectativas foram tratadas de forma gentil. É fértil a terra, onde descansamos os nossos pés dos calçados impostos por tanta gente boçal. Mesmo que esta terra esteja maltratada pelas falácias rotineiras que tanto nos transtorna. A ideia de deixar de ser esse bem querer

Latente

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Pulsa a necessidade criada por um sentir fabricado. Violentas notas agridoces martelam o ritmo do que é certo (porém inventado). Sigo em frente. Sou o que construí ser. Sou o afastamento do doméstico e languido esperar. Sou o grito pungente que angustia o inaudível cotidiano. Violenta a expectativa de cruzar a linha. Quem inventou tal inalcançável lugar cujo vislumbre que posso ter é apenas o limiar de um espaço desforme. Miragem do espaço que deixo de lado pela graça do momento. A vaidade ou a inveja me transbordam de ontem. Me roubaram a infância. Adolescência não sei quem é... meus exageros são minhas desculpas para ser o que quero. Sou o que posso. Ingratidão ao desespero, que insiste em me (re)ensinar os prazeres do sentir. Respiro e organizo meu dia nas caixas que me assombram com a dignidade. Visto aquilo que de melhor imaginam de mim. Enfrento as horas com sorriso no rosto, pois estou acorrentado ao fardo de não traduzir o que se passa no meu coração. As portas do

O Jardineiro da Perversão

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Passo 01 - Rejeição Éramos empolgação. Sonhos alinhados, como nado sincronizado. Sentia-me parte do segredo seu gostoso. Mas hoje não podia. Hoje cada um ficaria no seu canto, para poder respirar a mentira... para poder desfilar os ensejos da máscara. Passo 02 - Depreciação Eu não era bom. Ele dizia isso, mesmo que não fosse indiretamente. Eu tentava construir um edifício, mas o terreno era arenoso demais, e eu não conseguiria nunca sozinho fazer o que devia ser feito por dois. Sussurros aos poucos tomavam conta de mim. Passo 03 - Discriminação Tinha certeza que eu não era bom em nada. Minha altura, meu peso, meu jeito de falar e vestir... Até minha bondade fora questionada e tirada de mim pois, nessa altura tinha vergonha de mim mesmo, de ser quem eu sou e de achar que meu gostar não era bom demais para você. Passo 04 - Humilhação Os sussurros dançavam ao vento, enquanto esperávamos as cortinas se abrirem para o derradeiro show. Eu tinha o silêncio, as implicaçõe

Denúncia

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  Ele lavava as mãos calmamente. Entre seus dedos, meu sangue insistia em ficar grudado, denso na sua inútil composição, até escorrer ralo abaixo no ritmo do quase nenhum esforço, formando vértices do esquecimento. Para ele, o som da minha respiração quase inaudível era suficiente para ativar a mais pura ira de sua perversão. O salão que ele me deixava era frio, escuro, úmido e, naquele momento, ouvir o som das moscas que pousavam nas minhas feridas para se alimentar e botar seus ovos era o único sinal que eu ainda estava vivo. Quando as mãos já estavam lavadas de qualquer sinal de pudor ou arrependimento, seu ritual passava a ser o de enxugar a face do suor fétido que o lembrava das imperfeições. Não com o mesmo zelo de antes, se apressara para buscar o próximo açoite e em mim proferir uma devassidão de silêncios e agressões. O prazer dele se mesclava entre o gozo da dominação e a sede infinita de grandeza. Minha mordaça era ilusão, e meus braços e pernas estavam presas pe

Eles estão por aí

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Era apenas uma manhã ordinária, cuja necessidade se resumia em terminar o dia sem me preocupar em fruir os prazeres dos inócuos momentos. Fui levado pelo imaginar de que estar ao seu lado me tornaria a cor que complementa. Aquela capaz de lançar os teus desejos à um compromisso de dizimar o quase niilista desgosto do existir. Apesar dos despretensiosos traços serem capazes de gerar obras belíssimas, é na intenção que se explicita tua maestria. Ao passo em que mergulhei na escolha de você, meu corpo se encheu de desejo em sentir tua lisa pele sob a minha, e um gozo compartilhado se tornar nossa prerrogativa. Tuas palavras, mesmo aquelas lançadas e filtradas pela distância física, me despertavam a veleidade de te tocar e conduzir de modo anárquico os disparates do sonho. Ser teu - eu pensava – tornou-se necessidade, uma vez que a vida só não me basta. Mas, o caminho do desejo é uma armadilha, pois não poupa meu corpo do massacre da dúvida, tampouco deu garantia de um recompe

O caso surreal do triste fim de uma resposta que não veio

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[PARTE 01] A rainha estava quase ao meu lado, ela não usava chapéu e seus cabelos, que foram tingidos de prata pelo tempo, estavam perfeitamente alinhados com a sua postura de quem sabe o que representa. Eu ocupava lugar especial naquele evento de gala no salão vermelho. Eu estava no palco, junto da rainha e fazendo par com todas as pessoas importantes. Enquanto o evento acontecia, o qual pouco sei o motivo, eu reparava nas pessoas que ocupavam as primeiras fileiras do grande hall, em especial, a família, cuja moça de vestido simples azul, me chamara a atenção desde quando passava pelas filas de espera para adentrar àquele lugar. Não se tratava de entender a língua que se falava no local. Não precisava entender as palavras, eu precisava apenas estar lá e aproveitar a oportunidade para conseguir desvendar o enigma da minha ignorância. No momento apropriado, tirei a grande tela do meu bolso, com o intuito de mostrá-la para a rainha. A pintura flutuava sem nenhum constrangimento, e