O Gosto do Sal
Da porta invisível que separa o seu quarto do mundo pode não ser mais do que algumas polegadas que projetam aquilo que pensa que você é. Seguro você pensa estar. Pois se mantém no anonimato dos números, assim como na frieza dos infinitos corações que ganha ao mostrar rotineiramente o auto abuso que faz de sua intimidade.
Dilacere, compare, comprime, escolhe e elimine os retratos de sua parede! Afinal, as estações requerem o frescor de novas cores, e você as têm. Desse modo, meneia o ainda lhe resta de amor próprio e constrói um cotidiano entre a necessidade de um enxoval novo e o sonho de um príncipe encantado.
Tuas estridentes palavras corroem os restos das possibilidades, pois você não aguenta o peso de ser quem é. Pelo menos, ainda não consegue ver nada além de uma miragem à frente. Você está no deserto de cinzas das coisas que deixou para traz. E tudo isso para se perceber infinitamente órfão e só neste teu quarto invisível.
Mas tua alma queima no sol de um amanhã que é compromisso quebrado com a justificativa torpe de que não houve um começo certo, enquanto teima em não encarar suas contradições. Você prefere repintar tuas paredes. mas as manchas que marcaram nossas almas teimam em reaparecer mesmo sob tinta fresca.
Teus olhos não são reflexos do azul mar que um dia pensei em ir contigo. Fui ingênuo ao tentar transformar em poesia as tuas ânsias juvenis, mesmo conhecendo intimamente os fluidos dessas desilusões. Mas eu podia ter sido teu porto seguro quando as tuas inadvertências se tornassem o amargo saber de um dia cinzento.
Estávamos a navegar juntos e a imparcialidade do mar se dá através das condenações pelo acaso. Por isso, não importa que foi o tolo ou o capitão. Pois ambos estavam fadados à morte por terem um dia escolhido se embrenhar juntos na tentativa de encontrar um jeito confortável de ser um.
No fim, as pedras que levantou para me insultar, naquele último instante, só serviram para você afundar mais rápido. Estou à deriva, fraco e desorientado. Mas existe um estranho conforto em aguardar o último suspiro, quando a vida está entre a necessidade de um sentido metafisico ou uma porção esquizofrênica de estímulos químicos.
Turner, Death on a pale horse - 1825 |
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