Gentileza

Caso eu pudesse registrar um conselho para mim mesmo, este seria: seja gentil. A gentileza é um dos mais poderosos mecanismos humanos, ela tem o poder de transformar os fatos que estariam fadados ao insucesso, caso um outro temperamento o guiasse. Com certeza devem haver vários estudos que comprove isso!

Seja gentil consigo mesmo. Seja gentil com suas falhas e exageros. Aos trinta e poucos anos você já tem a noção que o mundo não será como queria que ele fosse, mas ele também não precisa ser um desastre total. Você tem alguma noção do que é e vislumbra as fronteiras daquilo que pode ser.

Ter para si que nenhuma convicção é infalível também é gentileza. Mesmo necessitando desses nortes para se guiar em meio ao caos de ser quem é e imagino continuar sendo até o teu último instante. Seja gentil quando o teu mundo se rebelar contra você e decidir sentir o gosto de sal de outros mares.

A gentileza é, por natureza, o contrário da culpa. A sina da suprema felicidade nos pressiona a vestir roupas que, em definitivo, não nos caem bem, mesmo todos dizendo que ela foi feita para você. Por isso, seja gentil com os seus “sims”, mas, acima de tudo, assuma com gentileza os teus “nãos”. Um “não “pode ser muito menos doloroso de se proferir do as consequências de um “sim” fragmentado por um momento vil.

Nos momentos mais sombrios de ser você. Quando o ar se torna veneno e você se sufoca só de pensar em existir, se deixe levar por alguns instantes por esses fantasmas. Eles fazem parte de você e o convívio com eles é inevitável. Mas, seja gentil consigo mesmo e diga adeus até a mais torpe dor que insiste em manter por peso do hábito.

Afinal, não há sentido em receber em seu ser uma densa e cinza tarde de solidão se ela não for vetor para potencializar a necessidade de perceber as inúmeras nuances dos gestos do cotidiano. Aliás, seja gentil à sua ordinária vida. Já sei que não cabe a você ser um grande líder de multidões de bajuladores, mas pode se orgulhar de ser o seu próprio líder.

Por fim, seja gentil com todas as outras pessoas e coisas. A gentileza não é como dar pérolas a porcos, mas sim um ato de autocontemplação. Tua existência não é pautada por dicotomias entre bem e mal, vítima e vitimador, culpado ou não culpado... Apesar de cada uma dessas instâncias calçar os teus pés todos os dias.

Quando se deparar com as angustias que é acusado de causar a um outro alguém, mesmo que não intencionalmente, seja gentil consigo mesmo e desmanche qualquer resquício de orgulho. A tua necessidade de fabricar prazeres inconsequentes pode respingar nas pessoas que mais ama. Seja gentil consigo e com o outro ao conferir ao perdão um dogma de transformação. 

Você deve ter a capacidade de ultrapassar a barreira da acomodação e lidar com as fronteiras que cria e se cerca junto ao cômodo silêncio. Seja gentil em reconhecer a necessidade de mudança e, buscar a coerência dos teus discernimentos com as cores da gentileza, afinal, não somos ilhas e necessitamos de contato humano.

E assim, chegamos ao ponto final e, mais importante: Escolha pessoas gentis para compartilhar sua vida! O tempo age de forma diferente para cada ser, contudo, a velhice é inevitável para todos, e as pessoas gentis aceitam as condições humanas como primeiro ato de rebelião contra a própria natureza da finitude através da gentileza. 

Edward Hopper - Room in New York, 1932.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cem

Latente

O Jardineiro da Perversão