Invídia
Keane, M. Happy Mask Unhappy Boy (detail) |
Eles me permitem ver as horas dos cotidianos deles e me apego aos detalhes das licenças auto postas dessa fortuna. Eles não se importam em mostrar suas caras amaçadas de sono de uma noite mal dormida, pois seus sorrisos não personificam nada menos do que a própria felicidade.
Quem não vai admirar os pequenos códigos que eles trocam, em forma de segredos? Mas será que eles sabem que é tão claro, como um cristal, e que todos podem entender que eles se amam e se divertem juntos?
Eles são se importam com o que os outros se importam, porque a preocupação deles é escolher a roupa mais bonita e usar o melhor perfume, apenas para agradar a outra parte amada. Nesse contexto, se os teus segredos já não são tão segredos assim, quem seríamos nós para julgar tamanho descuido?
Mas eu sou Invídia, uma deusa que vê na felicidade de casais como um espelho de minha agonia eterna. Mas não tenho nenhuma ferida aberta assim como aquele casal apaixonado não é nada próximo a mim para causar-me qualquer injustiça menor que aquela que condiz o meu próprio destino.
Eles formam um casal bonito: suas diferenças se transformam em instigação; suas histórias, jornadas compartilhas, e seus sonhos, florestas a serem desbravadas, juntos. Eu não. Eu fico presa no meu ciclo pois não tenho possibilidade, escolhi ser imortal, mas me mantenho assim como uma parasita, pulando de corpo em corpo.
Deusas não são princesas. Não tem direito a reviravoltas nas histórias, salvamentos ou finais felizes. Somos os ciclos infinitos que constroem e destroem ao mesmo tempo. Sem sair do lugar. Deusas não deixam de ser deusas para se tornar outra coisa. Somos o que somos.
Eles têm suas questões, crises e brigas. E até nisso eu honro meu malfadado nome que significa inveja, pois nem as maiores adversidades, são capazes de tirar o brilho do olhar apaixonado visto até em frias fotos que se apagam ao gosto do fantasma.
Eu sou o que está de fora e vê como poderia ser se estivesse no lado de dentro. Quando eu pude, pensei ter feito uma boa escolha. Mas quando renasci, nesse corpo já demonstrando estar calejado por uma idade medíocre, quis saber se fiz certo escolher o que escolhi.
A Invídia poderá ir embora assim como as fotos desse casal. Sobra uma carcaça de sorte questionável, pois como um humano foi embebecido pelos gracejos de uma deusa trágica. Desse encontrou, criou-se a necessidade de ser super-homem e superar aquilo que não o matou. Mas sou somente aquilo que sobrou. Ei de ter esperança?
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