O fio da memória e os cabelos teus

O mais sádico dos prazeres configura-se naquilo que percorre os meus pensamentos. De tudo, ou cada parte – se-pa-ra-da-mente. Sou o que restou da incompletude dos sonhos de outrora e, devo admitir, é uma tarefa homérica deixar o castelo de cristal pois não consigo olhar para trás e deixar de lembrar os louros cabelos do meu primeiro amor a cambalear maliciosamente na ingenuidade da puberdade. Amor sete vezes amor. Sete anos construindo tijolo por tijolo desde castelo, para então cá repousar num sono profundo o precioso e imaculado vaso de mim mesmo. Deste modo, preservei-me intocado dos prazeres e dos gestos mortais, protegido pelas chaves da esperança de um final feliz.

Com o tempo, os fulgores dos fios de seda que compunham os motivos da minha missão tornaram-se rotineiros marrons. Mas, mesmo assim, percebi que a beleza que eu via antes, estava a minha espera nos caminhos do prazer. Eu estava preparado para receber o sabor do delírio contigo. Você não, contudo.
Hoje a confluência de uma alma perdida caminha na explosão do branco e do tempo. Cego sim! Enxergo apenas as nuances do passado nas escancaradas portas da perversa juventude, sedenta por desafiar as libidos deste ancião que voltou da grande guerra vencedor, mas ainda sofre a dor das causas impossíveis.

Além disso, admito que pouco sei sobre as regras dos jogos cotidianos do olhar. Meu ímpeto pela ternura torna-me um fugaz admirador das possibilidades. E são a elas que me agarro e me destruo lentamente, afinal, alimento-me da paixão pelas causas do impossível e, como um leão faminto, nem sempre a tempo de ser sorrateiro. Mas, se neste momento escoro-me minhas palavras na ausência de som, confesso que das coisas que ganhei só consigo levar o amargo desdém daquilo que nunca tive a chance de se quer tentar conquistar.

O tempo me causa a cegueira do hoje em forma de paradoxo: não reconheço a dedicação do meu amor nos traços que vejo hoje, mas amo infinitamente você de outrora. Amor, cuja experiência modifica a alma e é capaz de mover obstáculos da percepção, mas estacionou-se dentro de mim na imagem da juventude perdida. Perdido sinto-me quando os sentimentos tornam-se sinas dentro de mim. Perdido sinto-me por não conseguir nesta noite ler essa página de maneira nostálgica apenas. Mas amanhã o silêncio de você voltará a reinar e quem sabe assim ficará por um bom tempo. Como disse, gosto de buscar as causas impossíveis.

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